Ladrões de Bicicletas


"Ladrões de Bicicletas" foi lançado em 1948. Foi dirigido por Vittorio De Sica e escrito por Cesare Zavattini. O filme é considerado a obra-prima do neorrealismo. O filme se passa em Roma imediatamente após o fim da Segunda Guerra Mundial. Na primeira sequência vemos um funcionário comunicando os novos empregos. Há um trabalho como colocador de cartazes para o protagonista, mas ele deve ter uma bicicleta. Mas ele tinha penhorado sua bicicleta e não tem dinheiro para resgatá-la. Ele conta tudo a sua esposa. Note-se que os planos abertos mostram a pobreza do bairro: quartéis miseráveis, ruas sem pavimentação, falta de água nas casas. Imagens que o cinema do fascismo nunca havia mostrado. De Sica toma o caminho do casal como pretexto para mostrar a vida do bairro. Por exemplo, a câmera para para mostrar a fila de crianças.

Esta cena  foi filmada em estúdio. A esposa do protagonista decide penhorar os lençóis da casa para resgatar a bicicleta. Observe a cenografia. A casa está vazia, as paredes estão enegrecidas e descascadas. Nos filmes anteriores não era costumbre mostrar as casas dos pobres.

Nesta cena o protagonista e sua esposa se encontram na casa de penhores para penhorar os lençóis em troca do resgate da bicicleta. Observe como a câmera não apenas descreve a ação, mas faz uma pausa para observar detalhes de interesse social. Por exemplo, a panorâmica vertical mostrando quantas outras pessoas tiveram que penhorar seus lençóis.

Nesta cena a esposa do protagonista para para agradecer a uma feiticeira a quem recorreu para resolver seus problemas. Seu marido fica com raiva, mas mais tarde no filme ele também irá até a feiticeira quando não souber mais o que fazer. A cena, portanto, não é necessária para a história. Serve simplesmente para descrever os hábitos dos setores populares. Muitas vezes, seu único recurso é recorrer à magia. Observe alguns pequenos detalhes. Como sempre, De Sica toma uma ação como pretexto para observar pedaços da realidade. Por exemplo, as brincadeiras das crianças.

Neste jantar de "Ladrões de Bicicletas" o protagonista e o filho preparam-se para ir trabalhar. A criança é aqui apresentada pela primeira vez. Ele parece um adulto pequeno, muito responsável, mais equilibrado que seu pai, que tende a ser impulsivo. Esta cena muito alegre serve para tornar a próxima sequência ainda mais dramática. De Sica aproveita a viagem do pai e do filho para mostrar a realidade dos trabalhadores e seus precários meios de transporte. Espera-se que a criança seja acompanhada até a escola mas, em vez disso, para para trabalhar em um posto de gasolina.

Esta sequência é o ponto de virada do filme. Um ladrão rouba a preciosa bicicleta do protagonista. Ele o vê, mas os cúmplices do ladrão o impedem. Note-se que, mesmo em momentos dramáticos tão fortes, De Sica nos surpreende ao abrir mão de meios típicos dessas cenas: não há música, não há close-ups. De Sica guarda toda essa munição para o final.

A primeira coisa que o protagonista de "Ladrões de Bicicletas" faz depois o roubo da sua bicicleta é  procurar a polícia. De Sica e Zavattini utilizam esta cena como pretexto para uma forte crítica política. A polícia está preocupada em reprimir os protestos (os planos dedicados a "celere", a tropa de choque), mas não em ajudar os pobres. Na época essa cena foi censurada.

O protagonista de "Ladrões de Bicicletas" se dirige aos militantes do Partido Comunista em seu bairro para pedir ajuda. O momento em que ele vai falar com eles foi outra cena censurada. Eles aceitam e junto ao protagonista e ao seu filho começam a busca da bicicleta. Eles procuram nos mercados, mas não encontram nada. A sequência tem um significado ideológico: quer mostrar que as únicas pessoas que ajudam o protagonista são outros trabalhadores como ele.

A busca pela bicicleta roubada está se tornando cada vez mais difícil...

A certa altura o protagonista de "Ladrões de Bicicleta" vê o ladrão com sua bicicleta, mas não consegue alcançá-lo...

O protagonista de "Ladrões de Bicicletas", porém, consegue acompanhar um idoso que conversou com o ladrão. Eles se encontram dentro de uma igreja onde senhoras de classe alta fazem caridade aos pobres. Eventualmente, o pai e o filho são expulsos da igreja e perdem de vista o ancião. Esta cena também é uma ocasião de crítica social: nem mesmo a Igreja é capaz de ajudar realmente o protagonista.

Nessa sequência, o pai fica exasperado e desconta no filho. Nesse embate fica evidente que De Sica fica do lado do mais fraco: a câmera não filma ao nível dos olhos do adulto, mas ao nível dos olhos da criança. O mundo é observado do ponto de vista dele, para que o público também possa simpatizar com ele. A criança sabe o que é certo e o que não é, compreende e ajuda o pai, mas defende seus direitos.

Para ser perdoado pelo filho, o protagonista decide gastar o último dinheiro em um restaurante. É a cena em que pai e filho são filmados mais de perto, o pai tenta não pensar em seu drama, mas não consegue. E no final ele decide ir também, como a esposa, da feiticeira. Como sempre, De Sica enriquece a cena com detalhes que servem para descrever a realidade social. Por exemplo, a comparação entre a criança mais rica e o filho do protagonista. É também o momento em que o pai tenta fazer contas, mas não consegue, porque não estudou.

Esta foi outra cena censurada de "Ladrões de Bicicletas". Por um golpe de sorte, o protagonista encontra o ladrão novamente e o persegue em um bordel. Todo o filme é uma viagem que percorre diferentes ambientes sociais da cidade. O protagonista consegue forçá-lo a acompanhá-lo até seu bairro, onde espera encontrar sua bicicleta.

Quando o protagonista e seu filho chegam à casa do ladrão, acompanhados por um policial, percebem que a casa é ainda mais pobre que a deles. Observe a diferença: há apenas um quarto, enquanto no apartamento de Ricci há vários quartos. De Sica mostra assim um bairro ainda mais pobre do que o dos trabalhadores, um bairro de subclasses que vivem para o dia.

Esta é a sequência clímax e também o final de "Ladrões de Bicicleta". Aqui De Sica concentra todos os recursos da linguagem cinematográfica. A música começa com uma intensidade baixa que depois cresce cada vez mais. O ritmo da montagem também aumenta progressivamente. As tomadas mudam constantemente de direção, fazendo-nos sentir o conflito interno do protagonista que está prestes a decidir roubar uma bicicleta por sua vez: o estádio, a criança que não suspeita de nada, o corpo em luta do protagonista. A música torna-se cada vez mais rítmica, misturando-se ou alternando-se com o barulho do público da partida. Quando o protagonista rouba a bicicleta, ele faz isso desajeitadamente e é rapidamente perseguido. A caçada é dramatizada mostrando-nos de forma subjetiva pela criança. O filme agora adota o ponto de vista da criança. Tudo é visto com seus olhos. Desta forma, o público é forçado a se identificar com seu ponto de vista. Eventualmente, os dois se afastam, derrotados. É outra característica do neorrealismo: a rejeição do final feliz, pois eram filmes que visavam despertar consciências.